domingo, 31 de julho de 2011

Novidades da semana

As postagens do Gibi Rasgado acontecem todas as quartas a noite, aos sábados é dia de publicar resenha no Quadro a Quadro.

Nesta semana, com um pequeno atraso, publiquei lá no Quadro a Quadro a resenha do belíssimo Quando eu Cresci, do selo Agaquê.

Um lançamento muito bem vindo e que demonstra o crescimento de um filão até então pouco explorado pelas editoras nacionais: as publicações européias.

Já aqui no Gibi Rasgado, uma postagem extremamente pessoal sobre a acusação de plágio contra a Editora Conrad e sua publicação de 2008, Chibata!.

Um depoimento pessoal sobre o grupo de teatro e a peça envolvida no embróglio, que pretende apresentar aos leitores e profissionais de quadrinhos um outro lado da questão.

Boa semana a todos e até quarta!

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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Chibata: um outro lado da questão

Hoje eu não vou falar de quadrinhos. Quer dizer, vou. Mas não diretamente.

Vou falar primeiro de teatro.

Em fevereiro de 2000, após meses de insistência, César Vieira, fundador e diretor artístico do Teatro Popular União e Olho Vivo, ao telefone, pronunciou o que minha perseverança buscava ouvir:

- Ok! Dá um pulo aqui domingo pra conhecer o grupo.

Começava ali uma experiência que mudaria o rumo da minha arte e da minha vida. Um caminho sem volta que, por mais estranho que possa parecer, me levou até esse blog nesta noite, até o gibi que estou fazendo para a Editora Nemo e que também forjou o cara que sou agora.

O Teatro Popular União e Olho Vivo (TUOV, como o chamamos) não é um grupo qualquer de teatro. É outra coisa, por vezes inclassificável, mas que gravou à força e a sangue sua marca na história do teatro nacional nos últimos 50 anos.

 

A Origem

O Teatro Popular União e Olho VivoTUOV – tem suas origens no ano de 1966, quando das primeiras reuniões objetivando as encenações de O Evangelho Segundo Zebedeu e Corinthians Meu Amor, ambas de César Vieira.

Embora ninguém soubesse à época, César Vieira era o pseudônimo de Idibal Pivetta, advogado, que passaria os vinte anos seguintes defendendo presos políticos perseguidos pelo regime militar, um dos poucos com coragem para isso naquela época.

Em 1969 estreiou, pelo Teatro Casarão, a peça Corinthians Meu Amor. O espetáculo, devido ao seu tema, extrapolou a modesta sede do teatro na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio e começou, sistematicamente, a se apresentar nas várias agremiações de nome “Corinthians” que existiam na década de 60.

Em 1970, por um grupo de estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, auto intitulado Teatro do Onze – uma alusão ao Grêmio Recreativo XI de Agosto, daquela instituição e ao qual era subordinado – estreiou o espetáculo O Evangelho Segundo Zebedeu, que contava a história da Guerra de Canudos através da linguagem de cordel.

O espetáculo renovou a cena teatral paulistana ao apresentar em linguagem popular um exercício metalinguístico até então pouco visto no Teatro Nacional: a peça narrava a Guerra de Canudos através de uma história que ocorria dentro de um circo e se apropriava de elementos religiosos para contar a messiânica aventura de Antonio Conselheiro; não bastasse isso a encenação ocorreu dentro de um circo de verdade, no Parque do Ibirapuera.

O sucesso foi imediato e o grupo, mesmo sendo amador, ganhou todos os prêmios nacionais naquele ano, além de representar o país no Festival de Nancy, na França.

 

Anos Difíceis

Em 1971, quando acabou a carreira dos dois espetáculos, diversos  membros do Teatro Casarão foram integrados ao Teatro do Onze.

Começaram então os ensaios para a peça Rei Momo, que contaria a história do Brasil a partir da estrutura do Carnaval e propunha a eleição direta do Rei Momo do título, através de cédulas previamente entregues ao público.

O Espetáculo estrearia no ano seguinte e, novamente, foi convidado, pelo ineditismo de sua linguagem, a representar o país em outro festival internacional, desta vez o de WROCLAV, na Polônia.

No retorno, o Teatro do Onze se desvinculou do Grêmio Recreativo e começou a percorrer os bairros periféricos de São Paulo, já com o nome Teatro União e Olho Vivo.

A ousadia não passaria despercebida pelas autoridades militares que governavam o país. Em 1974 o Teatro União e Olho Vivo, após uma apresentação num colégio da Vila Prudente, foi surpreendido por agentes militares infiltrados no público e  César Vieira – dramaturgo do grupo – ficou mais de 90 dias sob os “cuidados” do DOPS.

Apesar das ameaças constantes de novas prisões, o grupo continuou se apresentando nos bairros populares e, em 1978 estreiou a peça Bumba, Meu Queixada, contando as greves operárias ocorridas nas décadas de 50 e 60 em Contagem/MG e Perus/SP.

A feliz coincidência com o movimento operário que eclodia na mesma época no ABC paulista rendeu ao grupo alguns de seus melhores espetáculos, na sua imensa maioria encenados em sedes de sindicatos – clandestinas ou não.

No apagar das luzes do indecente regime político que vigorava no país, o Olho Vivo ainda seria protagonista de mais um incidente: teve, em 1984, a estréia de seu espetáculo Morte aos Brancos – A Lenda de Sepé Tiaraju adiada devido uma ameaça de bomba.

A denúncia anônima era clara: “vamos explodir essa merda de teatro subversivo e todos os que estiverem assistindo”.

A ameaça, depois de minuciosa investigação policial no local, se provou falsa e o espetáculo estreou no final de semana seguinte.

 

A Resistência Cultural

Com a redemocratização do país e uma guinada cada vez maior das artes em geral a um caráter quase que exclusivamente comercial, o Teatro União e Olho Vivo foi acusado por muitos de ser um grupo “ultrapassado” e representante de uma vertente teatral “em extinção”.

Apesar das críticas, o grupo continuou se apresentando nos bairros periféricos de S.Paulo e não alterou suas opções estéticas, apresentando uma opção popular de teatro, comprometida com a ética e em prol da cultura brasileira.

Entre 1991 e 1996 estreou mais dois espetáculos: Barbosinha Futebó Crubi – Uma Estória de Adonirans, contando a história do paulista Adoniran Barbosa, um dos maiores compositores nacionais, autor de Saudosa Maloca, Trem das Onze e outros imortais sucessos, e Us Juãos i os Magali, representando a tresloucada tentativa de fundação de uma república independente em São Jorge dos Ilhéus/BA, pelo gaúcho Sebastião Magali, no começo do Século XX.

 

A Descentralização da Cena Paulistana

No final dos anos 80 e começo dos 90, começaram em S.Paulo, inspiradas nas experiências do Teatro União e Olho Vivo e Teatro Vento Forte – grupo da capital paulista, liderado pelo incansável Ylo Krugli – diversas tentativas de descentralização da cultura, geralmente realizadas por jovens da periferia.

Foi então que surgiram importantes grupos, como a Brava Companhia, Teatro Pombas Urbanas – hoje uma fundação com um reconhecido trabalho social na Cidade Tiradentes, no extremo leste da Capital – e Cia S.Jorge de Variedades, entre outros.

O surgimento de tais grupos consolidou o trabalho iniciado nos idos de 1966 e criou uma importante rede de comunicação entre os coletivos paulistas na cena teatral da cidade, sobretudo na periferia, extremamente carente de iniciativas nesse sentido.

O Teatro Popular União e Olho Vivo ainda apresentou, entre os anos de 2001 e 2010, o espetáculo João Cândido do Brasil – A Revolta da Chibata, que narra a epopéia do marujo João Cândido Felisberto em sua luta pela abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra de 1910.

E é aí que voltamos à minha história dentro do Teatro Popular União e Olho Vivo, e onde teatro e quadrinhos se misturam.

 

João Cândido do Brasil – A Revolta da Chibata

Quando entrei no grupo, no início de 2000, ainda peguei a rabeira das pesquisas que resultariam no texto da peça sobre o Marinheiro que mudou a história do Brasil naquele começo de século XX.

Cheguei por lá antes da primeira cena ser escrita.

Eu era um dos poucos na época que possuíam computador em casa. Nada mais coerente portanto que eu fosse o encarregado de digitar os originais do César.

Atravessava as noites decifrando o caótico código de letras escritas com caneta de ponta porosa – a única que o César consegue usar, devido à grave artrose que tem nas duas mãos, fruto direto das torturas a que foi submetido na temporada em que passou na cadeia.

Eram vários cadernos, com xerox de matérias de jornais da época, desenhos e fotos, tudo devidamente anotado e comentado.

Entre os recortes, diversas cenas, rabiscadas, corrigidas, reescritas.

Digitei aquele texto inteiro pelo menos 03 vezes (ninguém fazia backup naquela época e os disquetes tinham o péssimo hábito de sumir do lugar onde foram guardados).

Tanto esforço me fez decorar cada uma das falas, de todas as personagens, tornando-me assim um dos profundos conhecedores daquele texto, de sua estrutura narrativa e de todas suas cenas.

O espetáculo estreiou em novembro de 2001, no Teatro Municipal de Santo André e é, sem dúvida, a mais longa e frutífera peça da história do grupo.

Percorremos diversos estados com o espetáculo. Frequentamos os principais festivais do país, entre eles o Festival Internacional do Recife e o Poá EmCena. Mas sobretudo, fizemos mais de 500 apresentações gratuitas na periferia de São Paulo.

Uma marca surpreendente.

O texto da peça foi lançado em livro pela Editora Casa Amarela, em 2003, e reeditado pela Prefeitura Municipal de Guarulhos em 2008, numa coleção que trazia também todos os outros textos do grupo.

Sobre o texto, prefiro transcrever as palavras do professor Antonio Cândido, um dos maiores nomes da Língua Portuguesa em todos os tempos e autor de Literatura e Sociedade, extraídas do prefácio da publicação de 2003:

“A escolha de César Vieira equivale a um convite para olhar a nossa história sem excluir os marginalizados pelas ideologias oficiais. Como sabemos, todas as providências foram tomadas para apagar da memória nacional a ação dos revoltosos de 1910 na Marinha de Guerra; para vilipendiar os seus participantes e tentar promover o esquecimento coletivo. Foi o que quase se conseguiu. Das franjas desse “quase” emergiram alguns homens lúcidos, como Edmar Morel, ou como o poeta surrealista francês Benjamin Péret, casado com brasileira, que esteve algum tempo no Brasil por volta de 1930, aqui militou na esquerda, aqui foi preso e viu apreendida e provavelmente destruída pela polícia a biografia que escrevera sobre João Cândido, intitulada O Almirante Negro. A eles se junta agora César Vieira, que recria a façanha de 1910 na chave da arte, jogando com a imaginação e a fantasia, que permitem realçar os traços da verdade. É o que faz essa peça por meio da música, da cor, do gesto organizado, da sátira, da indignação – dispostos em quadros sucessivos segundo um ritmo de vaivém no tempo, de maneira a modular uma espécie de grande parada histórica anticonvencional.”

E ainda a observação aguda do historiador Clóvis Moura (1925 – 2003) também autor de um dos prefácios, num de seus últimos textos publicados:

“Dizemos que é, por isso, uma obra de teatro e não da história, embora a essência dramática, lírica e política se reflita no espetáculo. Muitos dos seus personagens, assim, são recriados, muitos são criação do autor da peça para dar ritmo dramático à sua estrutura, mas todos autênticos teatralmente pela verossimilhança com a estrutura dramática da peça. Muitos personagens atuam como contraponto que ligam os diversos fatos e atos da peça numa unidade de ação contínua, como convém ao teatro. O trabalho de César Vieira e do seu grupo União e Olho Vivo é um exemplo de ação coletiva em função da conscientização social e artística do nosso povo.”

Pois foi a estrutura narrativa dessa peça e diversos personagens e situações ficcionais que surgiram também na publicação de 2008 da Editora Conrad:

Chibata! João Cândido e a Revolta que Abalou o Brasil, de autoria de Olinto Gadelha e Hemeterio.

Sobre os autores e a Editora Conrad nada direi. Eles já foram condenados da acusação de plágio em 1ª instância e possuem meios legais para contestar a decisão judicial.

Em relação ao Teatro Popular União e Olho Vivo, posso dizer que este é apenas mais um episódio em sua história. Triste, é verdade, mas apenas mais um episódio de um história de luta, perseverança e ética.

Já de César Vieira, a única coisa que posso dizer é que ele é o homem mais talentoso, corajoso, honesto e ético que tive o privilégio de conhecer. Prestes a completar 80 anos, é um homem que ainda acredita no ser humano e numa sociedade mais justa. Não é pouca coisa.

Aos leitores que acompanharam esta postagem até o final só posso dizer obrigado. E aconselhar que antes de tomarem partido para qualquer um dos lados, leiam as duas obras e tirem suas próprias conclusões.

No final de 2010, por questões pessoais, tive que me afastar temporariamente do grupo.

Ironicamente acabei aqui, escrevendo sobre quadrinhos.

O que não muda em nada a minha opinião, claramente expressa nesta postagem.

 

Lillo Parra – Blogueiro e roteirista de quadrinhos – ou, como sou conhecido no teatro, Will Martinez – ator popular.

 

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sábado, 23 de julho de 2011

Novidades da Semana

As postagens do Gibi Rasgado acontecem todas as quartas a noite, aos sábados é dia de publicar resenha no Quadro a Quadro.

Nesta semana tivemos aqui no GR a resenha de Zine Supreme, do Azeitona, Walter Pax e Mateus Santolouco. Gibi dos bons com uma pegada alucinada.

No QaQ publiquei a resenha do excelente A Balada de Johnny Furacão, do Sama. Um gibi com vocação a clássico, com uma surpresa a cada página.

E pra quem estiver aqui por Sampa nesse sábado, o programa é o lançamento de São Jorge da Mata Escura, de Marcello Fontana, André Leal, Cedraz e Naara Nascimento. Quadrinhos baianos mostrando sua cara numa excelente história. Sincretismo religioso, periferia e fé.

Um grande abraço a todos e até quarta.

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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Paquistaneses, Atores Pornôs e um Ronin

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Um grande amigo acabou de comprar seu primeiro apartamento.

Não o invejo, sei a delicia e a loucura que ele enfrentará nos próximos meses.

Num bate papo por e-mail ele confidenciou:

“Sabe o que eu quero mesmo? Sentar uma hora, sozinho e ficar lendo um gibi. Só pelo prazer de ler.”

A vida do cara começando a virar de ponta cabeça e ele anseia um momento de paz, só ele e um gibi. Isso diz muito do cara bacana que ele é. Mas também diz muito sobre um sentimento comum a todo mundo que continua lendo quadrinhos depois do contato natural durante a infância e adolescência.

Nós cutimos quadrinhos…

Muitas vezes pegamos um gibi badaladíssimo e dizemos:

- Não é isso que eu tava esperando.

Pegamos o mesmo gibi anos depois e nos perguntamos:

- Como eu não tinha percebido isso?

E o inverso também é verdadeiro. Taxamos algo como a história definitiva, que nunca será superada. E anos depois nos envergonhamos quando um amigo comenta:

- Não acredito que você gostava desse lixo!

Desmentimos, claro. Muito mais por saber que ele está certo do que pela vergonha em si.

Mas uma coisa que nunca muda é o prazer de se ler um gibi. De se ter nas mãos histórias bem contadas. Talvez por isso meu amigo queira tanto um momento de sossego. Ele e seu gibi e mais ninguém pra encher o saco.

Eu conheço a sensação.

Na semana passada tive um desses momentos de prazer.

E não foi com uma maxi série que promete revolucionar o Universo Belê. Tampouco foi com aquele álbum europeu premiadíssimo no último Festival de Ângulo Lama. Também não foi nesses negócios que você lê de trás pra frente…

Foi num delicioso gibi independente, no melhor estilo fanzine, vindo diretamente do Rio Grande do Sul.

ZINE_SUPREME_CAPAZine Supreme, de Azeitona, Pax e Santolouco.

Não posso me defender na ignorância. Já conhecia o trabalho de dois dos três lunáticos que tiveram a ousadia de cometer Zine Supreme. E o único que eu não conhecia podia muito bem ter deduzido, afinal, andando com os outros dois…

O fato é que ZS é um baita gibizão em preto e branco, com três histórias curtas e aloprado até não poder mais.

Mas aloprado do jeito bom, que promove boas gargalhadas, com histórias bem feitas e inusitadas.

pagina_03A primeira (esqueçam, nenhuma delas tem título) é do auto intitulado ex ator pornô Azeitona. Um assassinato, três leões de chácara – embora um deles esteja mais para gatinho de chácara – e um artefato mágico.

E uma piração sem tamanho envolvendo muito sangue e viagens no tempo.

A segunda conta com o belo e dinâmico traço de Walter Pax, um ex-associado das hordas infernais que eu não entendi Pag_03muito bem porquê salvou a sociedade paquistanesa do tédio.

Uma história com muitos lobisomens. Eu diria que lobisomens demais.

Sombria, soturna e… insana.

E a última é do ronin (aimeudeusdocéu) Mateus Santolouco. Uma ficção científica com um malandro bastante folgado, uma gostosa de cabelo estranho e um taxista gente boa.

pagina_01FC da melhor qualidade.

Mas nem por isso menos doentia que suas antecessoras.

O que impressiona em Zine Supreme é sua qualidade. Excelentes histórias, sem nenhum tipo de compromisso ou amarras com linhas editoriais, onde o prazer dos autores é visível em cada uma das páginas.

O Rio Grande do Sul tem uma longa e marcante história dentro da história de nossos quadrinhos. Zine Supreme só vem somar a essa tradição, com seu sarcasmo e humor nas medidas certas.

Azeitona, Santolouco e Pax mostram em Zine Supreme como é bacana ler um gibi que só se propõe a isso: ser lido.

Meu amigo ainda vai demorar um tempo até conseguir ficar tranquilo em sua casa nova e desfrutar de um momento de sossego ao lado de um bom gibi.

Até lá eu descolo outro exemplar e mando de presente pra ele.

sábado, 16 de julho de 2011

Novidades da Semana

As postagens do Gibi Rasgado acontecem todas as quartas a noite, aos sábados é dia de publicar resenha no Quadro a Quadro.

Nesta semana tivemos aqui no GR a resenha de Auto da Barca do Inferno, a excelente adaptação da peça de Gil Vicente por Laudo Ferreira, publicado pela Peirópolis.

Hoje publiquei no QaQ a resenha de Morro da Favela, do André Diniz. Sem dúvida alguma o melhor lançamento do ano até aqui.

Um grande abraço a todos e até quarta.

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quarta-feira, 13 de julho de 2011

À Barca!

AutoBarcaInfernoEm dez anos de Teatro Popular União e Olho Vivo, vi pelo menos umas vinte adaptações – amadoras e profissionais – de obras do nosso dramaturgo, César Vieira.

Aos que estão perguntando: sim, o mesmo que processou a Conrad e os autores de Chibata por plágio. Pois é, faço resenhas de quadrinhos, estou produzindo um roteiro para a Editora Nemo, mas também sou ator de teatro e, por acaso, participei da montagem de João Cândido do Brasil – A Revolta da Chibata desde o rascunho do texto. Mas isso é matéria para uma futura postagem.

Voltando ao assunto, vi excelentes adaptações de nossas peças, outras nem tanto. A explicação não é simples mas é clara.

Apesar da excelência do texto, uma montagem – por mais fiel que seja – traz em seu bojo a visão do diretor ou produtor, a performance dos atores, o talento do cenógrafo, do iluminador e do figurinista e mais um monte de coisas que envolvem mais uma centena de variantes que podem influenciar o trabalho de mil formas diferentes. E por aí vai…

O que fica? O resultado, que pode ser bom ou ruim.

A mesma lógica se aplica às adaptações de peças ou de obras literárias para qualquer outra mídia.

Na história do cinema temos um sem número de exemplos de ótimas e péssimas adaptações. Na história da televisão também. No teatro, quando adaptam obras que não em seu formato original, a história se repete.

Nos quadrinhos não poderia ser diferente.

Mas ao contrário de outras mídias, o aquecimento do mercado de quadrinhos nacionais e o consequente aumento de adaptações literárias por essa mídia, sintoma direto do recente interesse do governo na compra de produtos de tal segmento, parece despertar o preconceito daqueles que as atribuem a uma suposta desmoralização da literatura.

Na minha opinião, tal preconceito faz parte de um sentimento muito maior, que pretende colocar os quadrinhos numa categoria desonrosa entre as diversas formas de expressão e arte.

O fato, que convenientemente é esquecido por quem segue essa linha de pensamento, é que uma história em quadrinhos não é um livro e não pode ser tratado como tal. Em muitos aspectos é superior e em outros muitos, inferior à literatura.

Simplesmente porque não é literatura. São histórias em quadrinhos e possuem características e signos próprios. Assim como um texto de uma peça não é a peça em si até ser encenada (seu veículo original), uma adaptação em quadrinhos de uma obra literária não é a obra, mas uma interpretação dela para um outro meio.

E é aí que caímos num puta dum avião apertado, na última fileira (aquela que não permite que você recoste o banco), numa viagem de São Paulo a Salvador.

É sério, qualquer um enlouqueceria. Duas horas de viagem, sem o menor espaço para ligar o notebook e com o ipod serenamente repousado no colo de minha esposa, seis fileiras à frente. Sim, porque eu sou um viciadinho em coisas tecnológicas. Mas as uso para entretenimento e conhecimento, porque assim é o mundo hoje. O que não me impede de ler um bom livro, diga-se.

Mas também não tinha nenhum bom livro por perto.

Então me lembrei que havia contrabandeado dentro da bolsa do note o Laudo. Não ele literalmente, é claro. Refiro-me a Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, adaptado por Laudo Ferreira (Editora Peirópolis, R$ 35,00).

Como sempre faço, li o texto da quarta capa, as orelhas e a introdução. Nunca deixo de fazer isso e sempre aconselho as pessoas que não o fazem a adquirirem o hábito. Esses textos, cada vez mais presentes nos álbuns de quadrinhos, trazem pistas preciosas sobre o que você está prestes a ler.

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Começada a leitura, não precisei de mais de cinco páginas para xingar o Laudo de tudo o que é nome. Como assim texto original em português do século XVI? Já não basta essa senhora, dormindo desaforadamente com o banco reclinado sobre o meu joelho, esse ármário ao meu lado (coitado, como se o cara tivesse culpa de ter, sei lá, uns 03 metros de altura) e eu ainda vou ter que ler um gibi num português que não é praticado há pelo menos 200 anos?

Mas eu tinha nas mão um gibi do Laudo, o mesmo cara que teve a ousadia de adaptar a vida de Cristo nos dois belíssimos volumes de Yeshuah. A mesma história, contada e repisada milhares de vezes, mas que ele contou de uma maneira totalmente inesperada.

Uma história que me emocionou como poucas coisas que li na vida.

Ainda restava cerca de uma hora e meia até Salvador…

Decidi ver até onde o Laudo iria me levar dessa vez. Auto da Barca do Inferno em texto original? Vai pra mais de vinte anos que li isso. Resolvi confiar no Barqueiro, digo, no artista.

O Neriney Moreira – um dos fundadores do Teatro União e Olho Vivo em 1966 e que está conosco até hoje – sempre nos ensinou:

“Um texto de teatro possui uma musicalidade própria. Se você achar o tom, poderá fazer o que quiser com ele”.

Um sábio ensinamento, para quem lê textos teatrais ou – como acabei descobrindo – para quem lê qualquer texto.

E para se ler Auto da Barca do Inferno isso foi fundamental. O segredo está na capacidade individual de imersão do leitor. Quanto mais ele “entrar” dentro da história, mais fácil será o entendimento.

Afinal, por mais séculos que separem o autor português do gibi do Laudo, ainda é língua portuguesa.

Foi só criar vozes distintas na minha cabeça (sempre tive facilidade com isso) e começar a viagem.

E senhores, eu posso garantir, ler a Barca num avião que não parava de sacolejar, na situação em que eu me encontrava foi uma experiência inesquecível.

De um lado o próprio diabo:

- À barca, à barca, boa gente, que queremos dar a vela!

E do outro a aeromoça com aquele sorriso demoníaco:

- O senhor aceita uma balinha?

E de repente a viagem começou a ficar muito divertida.

A forma como Laudo recriou o texto de Gil Vicente é assombrosa. Para quem ainda não conhece a história, temos um cais no fim do mundo, onde estão atracadas duas barcas. Elas estão ali para dar passagem aos recém falecidos. Uma das barcas, cujo barqueiro é o próprio demônio, levará os malditos, os impuros, os ladrões e assasinos, as prostitutas, os corruptos, os… bem vocês já entenderam, né? Pois bem, essa primeira barca levará tais desafortunados ao inferno. A segunda barca – a da Glória – tem como barqueiro um Anjo do Senhor, e embarcará aqueles que são dignos do paraíso celestial.

Todo o sarcasmo do autor português, que enviava à barca infernal pessoas que existiam de verdade na sociedade portuguesa daquele começo de século XVI, são magistralmente recriadas por Laudo.

A sutil ironia escondida entre uma palavra e outra e entre os diálogos, os momentos de silêncio, os olhares, as investidas do diabo, o contra ponto cômico na trama…

Não há um único detalhe que tenha passado desapercebido por Laudo. Prova inequívoca que uma boa adaptação precisa sim de muito estudo, mas sobretudo, precisa de um olhar artístico diferenciado.

E nisso Laudo fez o papel de um verdadeiro diretor de teatro. E não só dele. Pois se analisarmos o gibi, veremos que Laudo foi também cenógrafo e figurinista, além de diretor de atores de toda a peça. Só não foi iluminador porque no caso das cores utilizadas contou com o também talentosíssimo Omar Vinole, velho parceiro de outros mares.

E soube como niguém distribuir um texto pesadíssimo pelas mais de 40 páginas da adaptação. Não por acaso, lá pela vigésima página ainda que inconscientemente, acabei me vingando do ármario ao meu lado (coitado) e da dorminhoca à minha frente.

Começou baixinho, quase imperceptível. E antes que eu me desse conta, já estava recitando o texto de Gil Vicente em voz alta! O cara do meu lado começou a me olhar como se eu tivesse alguma doença contagiosa e inexplicavelmente diminuiu o tamanho de seus ombros. A dorminhoca que a essa hora já estava acordada por conta daquele negócio que chamam de lanche (“aceita um hot-dog senhor?”) não conseguiu mais dormir.

E eu me divertindo como nunca.

Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, por Laudo Ferreira é tudo o que uma adaptação pode ser e é ainda mais: é uma história de quadrinhos de verdade, com quadros, balões, sarjetas, recordatórios, enquadramentos, onomatopéias…

Não pretende substituir o original, mas sim mostrar de uma forma diferente, todo o seu valor e suas nuances.

Detalhe Auto da BarcaE num tempo em que cada um diz o que quer, inclusive taxar como criminosas adaptações feitas por profissionais competentes e honestos, que estão apenas aproveitando uma oportunidade de mercado, Auto da Barca do Inferno é uma aula de quadrinhos e das possibilidades ilimitadas desse meio.

Justamente por não ser literatura, mas sim uma coisa bem diferente.

 

Para conhecer mais sobre a obra de Laudo Ferreira, acesse o Blog Mamão.

Para ler a matéria Os quadrinhos podem matar a literatura, de autoria de Luís Antônio Giron e publicada no site da Revista Época, clique aqui.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Brincando de Aro

Coraci“Você não sabe nada sobre isso, é uma criança!”

A Fernanda é minha sobrinha, uma doce menina de 10 anos de idade. Filha da Zanze e irmã da Francine, outra graça e no auge de seus 15 anos.

A Francine é bela, loira, magra, falastrona, inteligente, vivaz, espirituosa e, em poucos meses na nova escola, já havia se tornado uma das mais populares. É e sempre foi assim, nunca vai mudar. É um daqueles seres iluminados.

A Fernanda é bem diferente. Quieta, introspectiva e genial, não há palavras para defini-la. Com apenas 10 anos desenha de uma forma que eu nunca aprendi, mesmo tendo feito artes plásticas. Sua noção de equilíbrio numa composição é assustadora para alguém de tão pouca idade.

E também lê de tudo. E mais, cria histórias em sua cabeça. Devora um gibi da Turma da Mônica Jovem em poucos minutos. E não se contenta. Peça para ela contar qualquer história que acabou de ler e você terá uma grata surpresa: ela conta a história pontuando os momentos chaves, dimensionando a personalidade das personagens e traçando a linha narrativa da história, com climax e tudo!

A Fernanda ensinou-me algo que intuitivamente já sabia, mas não enxergava: as crianças são muito mais do que aparentam ser. Subestimá-las é um desrespeito, além de ser uma crueldade que pode, muitas vezes, destruir toda uma vida.

Infelizmente, esse pensamento arcaico foi amplamente disseminado nos mais variados meios culturais. Quando não está focado numa sexualização precoce, está centrado numa idiotização da capacidade intelectual da molecada.

Nos quadrinhos não é diferente. Os exemplos mais óbvios – Disney e Maurício – não nos dão a medida exata do que acontece. Ambos estão internalizados na memória das crianças desde os tempos em que nossos avós usavam fraldas (no caso do primeiro) ou, como no caso do segundo, desde que eu era um feto (e olha que não sou mais nenhum garotinho). E como tudo o que se mantém há tanto tempo, alternam momentos ruins em suas produções com fases absolutamente geniais.

Mas via de regra, a produção de quadrinhos infantis possui a tendência de ser pouco interessante ao público que realmente interessa: as crianças. O que parece um contrassenso num país que possui Lobato, Maurício, Ziraldo e mais um montão de gente boa.

Mentalidade dos editores? Não sei. Entraria num campo que desconheço e seria leviano culpar alguém. Só sei que passei a infância sem quadrinhos de qualidade, exceção feita aos já mencionados pais do pato e da dentuça. Tinha também Ziraldo, mas esse só me foi apresentado quando eu já era um adulto.

Mas ao que tudo indica, esse cenário começa a mudar, na esteira de um mercado que vem se mostrando cada vez mais atraente já temos alguns ótimos exemplos de quadrinhos infanto-juvenis.

Os dois últimos foram lançados nesse fim de semana e são excepcionais: Ciranda Coraci e O Senhor das Histórias, ambas de Wellington Srbek e Will (Editora Nemo, R$ 19,00 cada).

Ciranda_capaPertencentes à coleção Mitos Recriados em Quadrinhos, são o cartão de visitas da estreante Editora Nemo. E ela começa muitíssimo bem.

“Não julgue um livro pela capa”, dizia a minha avó.

(Mentira. Não dizia, ela mal sabe ler. Mas é um dos ditados que ela com certeza diria e que, geralmente, é verdade.)

Mas não nesse caso. Os dois álbuns saltam aos olhos já na apresentação, com um acabamento de primeira e um preço pra lá de honesto.

SENHOR~1Mas não são nas edições bem cuidadas que reside a força desses dois álbuns e sim na qualidade do conteúdo.

Ciranda Coraci conta a versão indígena da história da Criação, do Sol e da Lua. Já O Senhor das Histórias nos traz um dos contos do mito africano Anansi, também conhecido como Deus-Aranha e o tal senhor das histórias do título.

São histórias infantis sobre mitos cujas origens se perdem no tempo. Escritas numa linguagem acessível à gurizada, num primeiro momento sequer mereceriam uma folheada mais séria destes senhores tão acostumados a Gaimans e Moores.

E é aí que todos se enganam, eu inclusive. Os dois álbuns são uma aula de quadrinhos, equilibrando na medida exata narrativa e desenhos e tornando as histórias atrentes para crianças e adultos de todas as idades.

O talento do roteirista mineiro Wellington Srbek é inquestionável. Ganhador de inúmeros prêmios HQMix e autor de alguns dos mais belos trabalhos dos últimos 15 anos, Srbek vem há algum tempo dedicando uma boa parcela de sua produção ao público infantil.

Na série institucional Pratique Gentileza, criou uma personagem adorável: o grandalhão e simpático robô Urbanoide. Com distribuição gratuita e falando de cidadania, a série tem tudo para se tornar clássica.

Ali ele aprimorou muitos recursos narrativos próprios da literatura infantil, sobretudo na utilização formal da lingua portuguesa e no ritmo narrativo diferenciado para aquele público alvo, e conseguiu um resultado de rara qualidade.

E é essa experiência que ele agora aplica de forma desconcertante em Ciranda Coraci e O Senhor das Histórias. As quatro primeiras páginas do mito contado em Ciranda são primorosas.

Um roteiro que em nenhum momento desrespeita a inteligência das crianças, tratanto de temas curiosos a quem tem mais porquês do que respostas em sua curta existência, mas sempre com leveza e muita diversão.

E tocando em temas bastantes sérios também, como morte, doença e miséria, sem entretanto, cair nas óbvias “lições de moral” ou respostas fáceis.

“Gibi para crianças que não são bobocas”, diria a Fernanda.

(E diria mesmo, desta vez não é mentira.)

Mas Srbek não é apenas um bom roteirista.

Dizem que mineiro é desconfiado, que fala pouco e fica ali na dele, só observando, esperando o momento certo de entrar na conversa ou tomar uma atitude.

Folclores regionalistas à parte, o mineiro Srbek realmente ficou bastante quietinho e esperou sim o momento certo para dar o bote.

E o bote nesse caso foi o desenhista paulista Will.

Olhando os dois álbuns, ninguém acredita.

AnansiComo é possível que um talento do tamanho desse desenhista tenha ficado restrito nos últimos anos ao mercado independente? Como nenhuma editora reparou nesse egresso do mercado editorial, que resolveu fazer quadrinhos por curtir o negócio?

Não há como negar o talento de Will. Não há páginas ruins nos álbuns, sequer existem as menos bonitas. Em Ciranda e O Senhor só temos páginas belíssimas e algumas simplesmente geniais.

Cor, traço, equilíbrio… Tudo no trabalho de Will parece fluir naturalmente.

Os jovens adultos com menos de 30 talvez nunca tenham visto isso, mas no meu tempo de moleque era comum rodarmos a Vila atrás de pneus velhos, jogados em terrenos baldios ou às margens dos corrégos.

Mas não era qualquer pneu. Tinha que ser de bicicleta, mas os mais cobiçados eram os das “motocas”. Pegávamos o pneu e um cabo de vassoura qualquer. Rolávamos o dito cujo ladeira abaixo e íamos controlando sua direção com o cabo de vassoura. Aquilo era uma das melhores diversões que existiam. Enquanto “dirigíamos” o pneu podíamos ser qualquer pessoa, fosse o “Fitipaldi” ou um piloto de foguete. Não havia limites à imaginação. Chamávamos isso de brincar de “aro” (aro mesmo, a base que mantém a forma do pneu).

A arte do Will é isso. É brincar de “aro”. É ir até onde a imaginação alcançar.

Ciranda Coraci e O Senhor das Histórias são o casamento perfeito entre um roteiro inteligente e um traço mágico.

Infelizmente, jamais verei a Fernanda (e creio que nenhuma outra criança) brincando de aro pelas asfaltadas ruas de São Paulo.

Mas ao menos poderei presenteá-la com uma coisa que não havia na minha infância: uma viagem por mundos mágicos em forma de histórias em quadrinhos.