Dona Zabé sempre preparou guloseimas.
A minha preferida era rosquinha de pinga. Comia aos borbotões. Sei lá se teve alguma relação com o gosto que tive por porres na adolescência, mas o fato é que adorava aquela cachaça, digo, rosquinhas…
Dona Isabel tem 86 anos, é lúcida (a não ser quando confunde os nomes dos netos), religiosa, mora na praia e caminha todos os dias. Dona Zabé é minha vó, mas não é muito diferente da sua.
Mas Dona Zabé além de minha vó, é com certeza – junto com todas as outras avós do mundo – a vó do Jean.
Só pode ser.
Tá bom, não lembro dele de visita lá em casa. Nunca o vi comer aqueles deliciosos bolos regados a leite de coco e também nunca dividi com ele a raspa da tigela. Nem a colher de pau lambuzada de calda de açúcar endurecida eu lembro de ter dado pra ele.
Ele pode até não ser o meu primo, mas o cara é neto da minha vó, não tenho dúvidas. Da sua também, não se engane. Esse cartunista de 39 anos roubou todas as avós do mundo só pra ele!
De que outra maneira ele saberia que a minha vó conta os remédios como quem escolhe arroz? Ou então, como raios ele poderia saber que não importa quem tenha cometido o pecado, é minha vó quem vai pagar a promessa?
Só sendo neto dela.
Pérai… Tá lembrando da sua vó, né?
O que ela faz? Ouve missa pelo rádio? É fiel ao seu avô que já morreu há vinte anos? Tem um santo na penteadeira para cada ocasião?
Sabia!
O Jean é neto da sua vó também!
Não acredita? Eu posso provar…
Tá tudo documentado. Ele até tentou esconder: disfarçou aqui, mudou os móveis de lugar ali, trocou a foto do retrato…
Mas não adianta, achei a Dona Zabé escondida nas páginas de Vó (Barba Negra – 128 páginas – R$ 12,90).
Jean Galvão é um dos cartunistas mais talentosos do país e o livro reúne cerca de 120 tiras da personagem que ele criou em 2006.
Seu traço singelo, divertido e preciso é visto a todo momento nas mais diversas publicações ou campanhas publicitárias.
Mas não é a sua enorme habilidade técnica que faz desse Vó uma coletânea de tiras memorável.
Jean, matreiro, conseguiu um feito sensacional, digno apenas dos grandes cartunistas: captou a essência de uma personagem facilmente identificável na história pessoal da maioria de seus leitores.
Ler Vó é como revisitar algumas de nossas melhores lembranças e enxergar o humor e docilidade que só uma avó pode ter. As situações representadas em suas tiras vão muito além das piadas sobre senilidade, superproteção, religiosidade ou viuvez, pois atingem em cheio sentimentos ligados a nossa mais tenra idade.
Ler vó tem sabor de rosquinha de pinga, ou de bolo de fubá, se preferir; ou ainda de assistir uma novela com aquela delícia de voz ao seu lado narrando cada uma das situações:
- Olha lá, agora ele mata ela!
- Não entra aí não sua boba!
- Bem feito, ele mereceu! Quem mandou trair ela com a Emengarda? Toma papudo!
Talvez isso explique o sucesso dessa personagem.
Ou talvez ele realmente tenha roubado a Dona Zabé, a Dona Maria, a Dona Amélia…
Jean Galvão – provavelmente se disfarçando de Lillo para roubar a Dona Zabé.