“Ano novo, vida nova!”
Não conheço pior chavão que esse. Podia ter faturado os 170 milhões na mega da virada e ainda assim não seria uma vida nova, seria a velha com mais (muito mais) dinheiro, só isso.
Na verdade o ano novo é só um dia que veio depois de um outro, geralmente com uma baita festa no meio. As pessoas não mudam com uma simples virada de calendário, a vida não é renovada e não será tudo diferente.
Quer a prova? No dia 31/12/2010, faltando cinco minutos pra meia noite, você também pensava que 2011 seria diferente, não é?
A verdade é que a virada do ano não muda absolutamente nada na vida de ninguém e achar que abraços e brindes de frisante apagarão tudo o que houve antes e criarão as condições propícias para uma nova vida é, para se dizer o mínimo, ingenuidade.
O que muda nossa vida é aquilo que fazemos com ela nos 364 dias restantes…
E se você não fez nada até agora, é melhor começar a correr atrás. E rápido…
Mas não se anime, a maioria das pessoas correm atrás de uma nova vida e o máximo que conseguem é apenas sobreviver na antiga.
Com Bátima é assim.
Não o conhece?
Bátima é uma HQ de 16 páginas e integra a coleção da revista Samba.
De autoria de André Valente, a partir de uma idéia original dele e do Gabriel Góes, Bátima custa menos que uma rodada de cerveja no boteco (R$ 6,00) mas sua ressaca durará dias, garanto.
Vamos aos fatos: a história de Bátima não é original e já foi retratada em todas as mídias e formas de arte existentes.
Mas convenhamos, não existem histórias originais. O que existe são formas originais de se contar uma mesma história.
E aí reside toda a genialidade de Bátima.
Alguém nobre, capaz de tudo para proteger sua família de qualquer chateação, onde de dia se disfarça de cidadão comum e a noite revela sua verdadeira natureza.
A história lhe parece familiar? Ouvindo ecos do mito do Herói, tão bem aproveitado pela indústria de quadrinhos norte americana?
Esqueça! Essa não é a história de Bátima. Se há algum mito ali, é o Mito da Caverna, de Platão.
Mas nesse Mito da Caverna, Bátima não é o fugitivo e sim o acorrentado. Um homem preso na própria imagem que criou pra si, incapaz de enxergar a verdade e vivendo num jogo de sombras e mentiras que o levarão inevitavelmente ao abismo.
Ler Bátima é se lembrar daquele cara fracassado, que morreu de cirrose depois que o grande projeto de sua vida naufragou; ou então da mãe espancada sistematicamente pelo marido durante décadas; ou ainda do desajustado socialmente que acabou enforcado no próprio lustre da sala.
Mas o pior de tudo é perceber que Bátima traz um pouco da história de qualquer um, com as mentiras que contamos a nós mesmos na vã esperança que aquilo um dia se torne realidade, com as mentiras que contamos aos outros para disfarçar a imensa vergonha da derrota, com as diversas identidades secretas que criamos – dia após dia – na desesperada tentativa de nos tornarmos seres humanos melhores.
O gibi de André Valente é muito mais do que uma história de 16 páginas. É uma história que ficará na sua cabeça durante dias, meses até.
Bátima é um daqueles gibis memoráveis.
Quer realmente que o ano novo lhe descortine uma nova vida?
Leia Bátima e reflita sobre o que você anda fazendo nos 364 dias entre 02/01 e 31/12.