Metrô Itaquera, quarta feira, 27 de outubro, 21:43h…
Dezessete minutos para Corinthians e Flamengo. Se o ônibus estivesse no ponto daria tempo. Mas claro que não estava…
Até chegar o outro perderia pelo menos 15 minutos do primeiro tempo. Não pensei duas vezes, fui para o ponto de táxi. Sorri com a fina ironia da situação.
O condutor, um barbudo de sorriso pronto, perguntou o destino. Mal tinha engatado a primeira já começou o bate papo (ítem obrigatório do serviço, deve estar incluso na tarifa):
- Será que esse estádio sai?
Olhei para o enorme terreno onde será o futuro estádio do Corinthians.
- Chefe, nesse momento eu tô mais interessado em saber se ele ganha do Flamengo hoje.
O condutor não entendeu o recado e continuou desfiando seu repertório de perguntas e comentários prontos. Foi então que eu me lembrei do Lima.
O Lima é um velho amigo, conheço pra mais de 20 anos. Entre as muitas qualidades que tem, se sobressai sua monumental capacidade de contar lorotas. E com a mais absoluta seriedade. Pudera, o Lima também é taxista. Todo taxista que se preza é um contador de histórias e sempre tem um causo que beira o absurdo. O Lima – o maior que conheci – tem pelo menos uma dúzia de histórias que rivalizam com os melhores contos do Cortazar.
Sorri novamente com a ironia. Peguei o taxi porque estava atrasado, mas só estava atrasado porque fui no bar São Cristóvão naquela noite, justamente para o lançamento de taxi, do Gustavo Duarte(R$ 10,00, maiores informações no blog do autor).
E só tem duas coisas pelas quais eu troco um jogo do Timão por livre e espontânea vontade: a dona Patroa (às vezes nem tão espontânea vontade assim) ou um bom gibi.
E taxi não me decepcionou. Assim como Có!, taxi é um gibi memorável.
A premissa chega a ser diabólica de tão simples: um jazzista esquece seu case num bar e, já às portas do lugar onde irá tocar, percebe seu esquecimento. Ítem fundamental para a longa noite que virá, numa corrida contra o tempo, o músico pega o primeiro táxi que passa. Será o início de uma das noites mais alucinantes já vistas nos quadrinhos nacionais.
Gustavo aproveita o gibi para prestar uma divertida homenagem a uma de suas paixões: o jazz. Li na internet uma declaração do Gustavo dizendo que taxi possui quatro participações especiais de músicos de jazz, todos ainda vivos. Poderia dizer que não vou contar aqui quem são para não estragar a surpresa. Mas seria uma mentira deslavada. É por isso também, claro. Jamais faria o papel de contador de final de filme em fila de cinema. Mas a verdade é que embora o gênero me seja agradável aos ouvidos, não entendo absolutamente nada de jazz. Ainda assim, a habilidade gráfica do autor fez esse completo ignorante musical reconhecer na hora que aqueles caras não eram apenas personagens na história, mas sim músicos de verdade.
Habilidade gráfica e narrativa, aliás, são o ponto alto do gibi. Novamente Gustavo conta uma história sem se utilizar de diálogos. O solitário balão de fala, desta vez, é também musical. E tão genial que você consegue ouvi-lo.
Seu traço preciso e elegante se alia ao domínio narrativo, conduzindo o leitor sem que ele o perceba. Tarefa difícil para qualquer narrador, mas que o autor desempenha com competência impressionante.
Gustavo é um mestre do detalhe. No gibi sobram referências, do próprio bar São Cristóvão até a “baratinha” (aqueles fuscas que a polícia usava de viatura, lembram?), passando pelo táxi retrô (com seu taxímetro modelo anos 70) e não se esquecendo do centenário Norusca (na melhor homenagem do gibi), Gustavo nos brinda com tudo o que nossa memória pode lembrar.
Como em toda boa história de taxista, o absurdo está presente. Até parece história de pescador. Na verdade, parece muito. E aí está uma das muitas piadas do gibi.
A cereja do bolo fica por conta de duas outras participações especiais. Dessa vez vindas diretamente de Có!.
Acho que vou comprar taxi pro Lima. Ele não curte quadrinhos mas tenho a impressão que vai acabar se apropriando de algumas situações e as contando como se fossem suas. Imagino a cara incrédula de seus passageiros quando ele, com a mais absoluta cara de pau, contar do dia que usou o afogador pra escapar de uma enrascada.
Acabei chegando em casa a tempo pro apito inicial. O jogo terminou empatado. Olho para taxi, aberta no autógrafo do Gustavo. Definitivamente, o Timão até poderia ter perdido que a noite – ainda assim – estaria no lucro.