Um grande amigo acabou de comprar seu primeiro apartamento.
Não o invejo, sei a delicia e a loucura que ele enfrentará nos próximos meses.
Num bate papo por e-mail ele confidenciou:
“Sabe o que eu quero mesmo? Sentar uma hora, sozinho e ficar lendo um gibi. Só pelo prazer de ler.”
A vida do cara começando a virar de ponta cabeça e ele anseia um momento de paz, só ele e um gibi. Isso diz muito do cara bacana que ele é. Mas também diz muito sobre um sentimento comum a todo mundo que continua lendo quadrinhos depois do contato natural durante a infância e adolescência.
Nós cutimos quadrinhos…
Muitas vezes pegamos um gibi badaladíssimo e dizemos:
- Não é isso que eu tava esperando.
Pegamos o mesmo gibi anos depois e nos perguntamos:
- Como eu não tinha percebido isso?
E o inverso também é verdadeiro. Taxamos algo como a história definitiva, que nunca será superada. E anos depois nos envergonhamos quando um amigo comenta:
- Não acredito que você gostava desse lixo!
Desmentimos, claro. Muito mais por saber que ele está certo do que pela vergonha em si.
Mas uma coisa que nunca muda é o prazer de se ler um gibi. De se ter nas mãos histórias bem contadas. Talvez por isso meu amigo queira tanto um momento de sossego. Ele e seu gibi e mais ninguém pra encher o saco.
Eu conheço a sensação.
Na semana passada tive um desses momentos de prazer.
E não foi com uma maxi série que promete revolucionar o Universo Belê. Tampouco foi com aquele álbum europeu premiadíssimo no último Festival de Ângulo Lama. Também não foi nesses negócios que você lê de trás pra frente…
Foi num delicioso gibi independente, no melhor estilo fanzine, vindo diretamente do Rio Grande do Sul.
Zine Supreme, de Azeitona, Pax e Santolouco.
Não posso me defender na ignorância. Já conhecia o trabalho de dois dos três lunáticos que tiveram a ousadia de cometer Zine Supreme. E o único que eu não conhecia podia muito bem ter deduzido, afinal, andando com os outros dois…
O fato é que ZS é um baita gibizão em preto e branco, com três histórias curtas e aloprado até não poder mais.
Mas aloprado do jeito bom, que promove boas gargalhadas, com histórias bem feitas e inusitadas.
A primeira (esqueçam, nenhuma delas tem título) é do auto intitulado ex ator pornô Azeitona. Um assassinato, três leões de chácara – embora um deles esteja mais para gatinho de chácara – e um artefato mágico.
E uma piração sem tamanho envolvendo muito sangue e viagens no tempo.
A segunda conta com o belo e dinâmico traço de Walter Pax, um ex-associado das hordas infernais que eu não entendi muito bem porquê salvou a sociedade paquistanesa do tédio.
Uma história com muitos lobisomens. Eu diria que lobisomens demais.
Sombria, soturna e… insana.
E a última é do ronin (aimeudeusdocéu) Mateus Santolouco. Uma ficção científica com um malandro bastante folgado, uma gostosa de cabelo estranho e um taxista gente boa.
Mas nem por isso menos doentia que suas antecessoras.
O que impressiona em Zine Supreme é sua qualidade. Excelentes histórias, sem nenhum tipo de compromisso ou amarras com linhas editoriais, onde o prazer dos autores é visível em cada uma das páginas.
O Rio Grande do Sul tem uma longa e marcante história dentro da história de nossos quadrinhos. Zine Supreme só vem somar a essa tradição, com seu sarcasmo e humor nas medidas certas.
Azeitona, Santolouco e Pax mostram em Zine Supreme como é bacana ler um gibi que só se propõe a isso: ser lido.
Meu amigo ainda vai demorar um tempo até conseguir ficar tranquilo em sua casa nova e desfrutar de um momento de sossego ao lado de um bom gibi.
Até lá eu descolo outro exemplar e mando de presente pra ele.
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