domingo, 26 de junho de 2011

E a Nemo estréia no mercado.

Há pouco mais de um mês, a Editora Nemo, do Grupo Editorial Autêntica, anunciou que começaria suas atividades no mercado de quadrinhos.

Com uma proposta editorial que encheu os olhos de todos, a Nemo anunciou os nomes de Moebius e Hugo Pratt, além de quatro coleções de produções totalmente nacionais: História & Quadrinhos, Shakespeare em Quadrinhos, Versão em Quadrinhos e a série Mitos Recriados em Quadrinhos.

Pois a espera acabou! Dia 02 de julho, na Livraria HQMix, em São Paulo, à partir da 19:00 horas, serão lançados os álbuns Ciranda Coraci e O Senhor das Histórias, ambos de autoria de Wellington Srbek e Will, que estarão presentes no lançamento, e também o álbum europeu mais aguardado dos últimos 30 anos: Arzach, de Moebius.

Lançamento

CIRANDA CORACI

A história do herói Coraci (o Sol) e de sua noiva Jaci (a Lua) é recriada numa HQ repleta de cor e movimento. Nas páginas desta Ciranda Coraci, personagens e ambientes, mitos e lendas ganham vida através de um texto poético e belas imagens.

Ciranda Coraci

 

O SENHOR DAS HISTÓRIAS

Nas páginas deste álbum, conheça Anansi: O Senhor das Histórias. Em sua companhia, numa fantástica aventura de sabedoria e coragem, descubra a resposta para a pergunta: “de onde vêm as histórias?”

Senhor das Histórias

ARZACH

Finalmente chega ao Brasil uma das HQs mais influentes e revolucionárias da história dos quadrinhos. Neste primeiro volume da Coleção Moebius, publicado com alta qualidade gráfica e no formato europeu original, encontramos todas as histórias clássicas de Arzach e ainda mais.

 

Arzach

domingo, 19 de junho de 2011

Histórias Inesquecíveis: Aberrações no Coração da América

capa

Comprei Aberrações no Coração da América (Devir Livraria – 2005) por um único motivo: o nome de Steve Niles na capa.

Estava num sebo e o preço era ótimo. As belíssimas ilustrações de Greg Ruth pesaram bastante na decisão. Mas era o que o nome de Niles me lembrava o que eu queria ver na história. O cara havia criado a melhor história de vampiros que eu havia lido em muito tempo. Seu 30 Dias de Noite é uma paulada. Esqueçam o filme. Apesar de uma adaptação razoável, não chega nem aos pés do gibi feito em parceria com Ben Templesmith.

E daí eu cruzo com um gibi escrito pelo mesmo cara, com a palavra “Aberrações” no título…

Pois bem. Não era nada do que esperava. Nada de vampiros, nada de monstros como o título sugeria.

Mas o que encontrei foi muito melhor…

A história toda começa numa cidadezinha de fim de mundo dos Estados Unidos, quando, anos antes, várias mulheres deram à luz ao mesmo tempo.

Mas algo soava horrivelmente errado. Seus filhos não eram normais, eram disformes, estranhos. A decisão tomada foi o assassinato daqueles horrendos bebês.

Mas nem todos morreram, alguns foram criados às escondidas, em porões e celeiros, numa situação sub humana. E agora eles estavam crescidos, e loucos para conhecer o mundo lá fora…

E aqui terminamos o que vou contar sobre o enredo da história. Mais que isso já estaria fazendo um resumo, não uma resenha.

Vamos falar das coisas que tem ali dentro o do que elas revelam.

prev_aberra_1gO roteiro aparentemente aponta para aqueles filmes de ficção científica da década de 50, recheados de monstros vingativos e sem qualquer explicação plausível para a origem de tão horrendas criaturas.

Realmente, o roteiro de Niles não explica absolutamente nada sobre as terríveis deformações das crianças ou o motivo delas terem nascido ao mesmo tempo.

A intenção ali não é fornecer aos leitores qualquer dado científico mentiroso que justifique o surgimento das ditas “aberrações”. A história é o que é.

A metáfora é muito mais poderosa. Trata do rito de passagem entre a fase infantil e a adulta e como as coisas podem dar terrivelmente errado. A relação de amor e descoberta vivenciadas por Trevor (o irmão mais velho) e Will (o mais novo e uma das crianças indesejadas) é delicada e trágica. Nesse sentido, Aberrações no Coração da América é uma história sobre a vida e seu aprendizado, com amores e decepções típicas da adolescência.

Mas a história também estabelece uma sutil relação com renascimento da nação norte americana pós grande depressão, se aproximando assim do romance Homens e Ratos, de John Steinbeck, de 1937. As próprias características físicas e psicológicas de Trevor e Will nos remete aos personagens Lennie e George, protagonistas do romance.

prev_aberra_4gÉ a mentalidade do velho sistema de vida norte americano condenando-se a uma morte lenta, à medida que uma nova, poderosa e irresistível vivacidade tomava conta do povo estadunidense. Essa sutil relação é exteriorizada no discurso do jovem Trevor para xerife Tuck, já nas últimas páginas do gibi, e no trágico destino deste pelas mãos de Bo Clague, pai de Maggie e Roy, outras duas crianças da trama.

Mas Aberrações no Coração da América fala principalmente da intolerância. Ao tornar alvo do ódio crianças inocentes apenas porque são diferentes daquilo que almejamos, Niles cria uma ferrenha e mordaz crítica ao racismo, qualquer que seja a maneira em que ele se apresente.

Num tempo em que fechamos os vidros quando vemos um guri no farol ou – pior – o pré julgamos um assaltante ou assassino sem ao menos lhe oferecermos qualquer chance de um destino diferente, num tempo em que cobramos segurança pública mas não nos interessamos pela qualidade da educação formal fornecida a aquelas crianças cujos pais não podem pagar a irreal mensalidade de um colégio particular, Aberrações no Coração da América deixa de ser um gibi ( na acepção pejorativa que normalmente dão ao termo) e se torna uma mensagem poderosa e trágica.

As crianças nos faróis, com seus mal aprendidos malabares, não pediram a situação que lhes foi imposta por séculos de corrupção e mau uso do erário público. Seus pais, seja qual for a culpa que carregam, são inocentes em pelo menos uma questão: a de não conseguirem quebrar padrões de comportamento que se repetem por gerações e que agora se transmutam em truques circenses desesperados por um trocado, por um momento de atenção.

E nesse sentido, Aberrações no Coração da América fala muito mais sobre o que somos do que uma simples história em quadrinhos poderia sugerir.

Um gibi obrigatório, gostemos de quadrinhos ou não.

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Esta resenha foi escrita ao som de Um Labirinto em Cada Pé, de Romulo Fróes, e Feito pra Acabar, de Marcelo Jeneci. 

Para ler outras resenhas minhas ou saber o que rola no mundo dos quadrinhos acesse o Quadro a Quadro.

domingo, 5 de junho de 2011

Todos os corpos do mundo.

Desfile Nazista

Imbecilidade, intolerância, crueldade e morte.

Fome, doença, ódio e arrogância.

Poder, sobretudo ele, ditando o rumo de milhões de vidas num tempo em que o mundo perdeu qualquer traço de humanidade.

A 2ª Guerra Mundial não foi apenas uma guerra, foi a mutilação de tudo aquilo que nos torna humanos.

Graças ao cinema e a filmes como A Ponte do Rio Kwai ou O Mais Longo dos Dias, crescemos com aquela soberba visão dos heroicos aliados lutando contra o mal nazista. E por aliados entendam-se os norte americanos.

Ainda nos remetendo às películas, os recentes O Resgate do Soldado Ryan, A Lista de Schindler, Além da Linha Vermelha e o excelente O Pianista nos ajudam a entender que nem todo comandante em guerra é John Wayne e que nem todo alemão é um nazista cruel e desumano.

Mas o cinema precisou de mais de meio século para alcançar maturidade suficiente para apresentar tais roteiros, histórias despidas da hipocrisia que nos fazia enxergar o holocausto, mas não a covardia de uma arma nunca antes vista na história da humanidade, lançada contra milhares de civis indefesos em Hiroshima e Nagasaki. A mesma hipocrisia que nos enoja com os experimentos conduzidos por médicos alemães, mas nos fecha os olhos para o questionável e omisso comportamento de Eugênio Pacelli – o Papa Pio XII.

Nos quadrinhos não foi diferente.

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Do Capitão América e seus similares aos gibis nacionais que povoavam as bancas das décadas de 50 e 60, o comportamento heroico das forças aliadas era sempre enaltecido e a vilania dos nazistas execrada. De um maniqueísmo quase infantil, os nazistas sempre perdiam. Se a Guerra de verdade tivesse acontecido como nas páginas daqueles gibis, teria durado 20 dias. Mas não durou.

Os alemães desenvolveram uma força bélica surpreendente e mortal e dobrou os joelhos do mundo. Foram necessários anos até que a balança das forças começasse a se equilibrar. Governantes caíram e o mapa mundial foi redefinido à custa de milhões de vidas inocentes.

Nenhum escudo de aço indestrutível, com a bandeira norte americana pintada, protegeu a cabeça da jovem judia. Nenhuma amazona resgatou qualquer um dos homossexuais ou deficientes físicos condenados sumariamente à morte. Décadas se passaram até que gibis como Maus ou A Guerra de Alan fossem produzidos.

No Brasil, ainda que o gênero tenha comportado gênios como Rodolfo Zalla, a situação não era muito diferente.

Os motivos políticos foram deixados de lado nos quadrinhos, algo bastante apropriado para um governo que lançou ao esquecimento as tropas brasileiras que atuaram no conflito. É verdade que o público alvo era outro, naquela época composto em sua maioria por jovens guris. O mercado também não estava interessado em quadrinhos adultos, sobretudo os políticos.

Mas assim como no mundo, no Brasil (embora em menor escala), com uma pitada mais séria aqui, um pouco de humor ali, o tema voltou a ser abordado após décadas de esquecimento.

O recente aquecimento de um mercado adulto de quadrinhos nacionais permitiu que chegasse a público no ano passado o excelente Jambocks, de Celso Menezes e Felipe Massafera, que conta justamente a Campanha da Força Expedicionária Brasileira no palco de operações italiano.

E agora a Conrad acerta em cheio com Guerra: 1939 – 1945 de Julius Ckvalheiyro (Conrad Editora - R$ 30,00).

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Guerra é, em todos os sentidos, um gibi excepcional.

A opção estética do autor surpreende pela maturidade e correção histórica. Ao invés de produzir histórias de guerra como antigamente, contando a óbvia visão dos vencedores, Ckvalheiyro optou por contar a guerra dos vencidos e dos vencedores, do herói e do canalha, do crente e do cético. O resultado emociona pela sinceridade e por mostrar a exata medida de toda aquela imbecilidade.

Os capítulos foram divididos de acordo com os anos em que ocorreram. Pesquisador aplicado, cada capítulo é habilmente contextualizado pelo autor, nos situando no momento histórico e político dentro da guerra, tornando a leitura dos quadrinhos que se seguirão muito mais proveitosa e prazerosa. E isso num texto ágil e incisivo, sem firulas, sem valores de juízo, mas também sem o ranço didático tão comum nesse tipo de expediente.

A leitura dos textos introdutórios consegue a proeza de nos fazer passear pela guerra e entender suas motivações políticas, nos mostrando uma face do conflito que comumente não é abordado no ensino fundamental. Os textos, quando aliados às histórias que os ilustram, fazem o gibi ir além: trazem o leitor para dentro da guerra. Algo nada desprezível nesses tempos em que o Ministério da Educação finalmente começa a perceber o poder de infiltração e absorção dos quadrinhos em salas de aula.

Mas é na narrativa gráfica que Ckvalheiyro mostra a que veio. As histórias – curtas, não mais de que um punhado de páginas cada – surpreendem pela beleza e emoção. Num traço realista, obtido através do estudo e utilização de fotos do conflito, em preto e branco, produz um resultado plasticamente desnorteante e é responsável por páginas belíssimas. Entretanto, a utilização de alguns efeitos às vezes confunde um leitor menos treinado, dificultando a localização dos elementos gráficos na página. Felizmente, essa falha é observada em apenas meia dúzia de quadros e não prejudica em nada o entendimento geral das histórias.

O passeio pela guerra continua também na estrutura narrativa: as 03 primeiras histórias apresentam os grandes vilões do conflito. Um nazista cruel mas não caricato, como estamos acostumados, já nos dá o tom, logo nas primeiras páginas, do que veremos em todo o restante do álbum. Um piloto nazista extremamente lúcido de seu dever nos mostra um outro tipo de guerra, um outro tipo de soldado, em contraponto ao combatente da primeira história. Um recurso genial para dimensionar exatamente o que era crueldade e o que era dever. E por fim um piloto de um caça japonês, que em apenas 08 páginas nos mostra um resumo de milênios de anos de cultura oriental, personificados num único homem.

Em seguida somos apresentados a um dos grandes heróis da guerra, que a história ocidental fez questão de colocar em segundo plano por conta da “ameaça” que representou ao mundo nos anos posteriores ao conflito: a União Soviética.

E o autor faz questão de mostrar que o papel dela não só não foi pequeno como também fundamental para a vitória das forças aliadas.

E então os judeus.

E aí não há palavras suficientes para justificar o tamanho da crueldade cometida naqueles anos. Algo que o mundo não pode esquecer.

Apresentar o holocausto é a obrigação mínima de cada um dos artistas que se aventurem por essa seara. O alerta continua válido, principalmente com a recente escalada de forças nacionalistas na Europa, onde alguns grupos, inclusive, tentam disseminar a ideia de que o massacre sistemático de judeus durante o confronto não passa de uma “invenção” histórica.

O alerta também continua válido para o povo judeu, que esquecendo o mal que sofreu, se comporta de forma perigosamente semelhante – com a inexplicável conivência das grandes nações – em relação ao povo palestino, isolando-os (geograficamente e socialmente) e os condenando à fome, miséria e morte.

E por fim os americanos, numa macabra simetria com as duas primeiras histórias do álbum. Um toque de sutileza do autor para mostrar que a grande vitória americana também foi uma grande derrota – em todos os sentidos.

Uma única falta é sentida: não há qualquer menção a Campanha da FEB na Itália. Uma história sobre a participação brasileira no conflito – que também não foi desprezível, sobretudo para o avanço das forças aliadas por aquela porta de entrada no velho continente – teria tornado o gibi perfeito (sobretudo para fins didáticos). Fica a sugestão para um provável segundo volume.

Não há uma única história ruim, mas três merecem destaque e habilitam o álbum a ser uma das melhores publicações do ano: o piloto japonês, o soldado russo e a nova arma americana.

Não são histórias de guerra, são poesias gráficas sobre o ser humano, seus valores, sua beleza e o tamanho de sua crueldade.

Ckvalheiyro conseguiu com isso produzir um gibi belíssimo sobre a maior tragédia da história da humanidade, de forma séria, didática e – principalmente – estética e artisticamente impecável.

Não é pouca coisa.