Morar na periferia, acordar com o Sol raiando, encarar ônibus parecendo carroça e metrô lotado até os tubos. Essa é a minha rotina. Não sou herói. Essa é a rotina da maior parte dos paulistanos.
E se você não é de São Paulo, não acredite nas propagandas veiculadas nos horários políticos. O transporte público de São Paulo é um caos, o resto é realidade virtual.
E pra encarar essa vida eu sempre levo um livro, um gibi e – quando meu time tá numa boa fase – o jornal diário Lance!, especializado em esportes.
Não tem jeito, depois da capa a primeira coisa que eu olho é a charge do dia na página 03. E foi lá que eu conheci o trabalho do Gustavo Duarte, um cara que eu amo e odeio.
Por que eu amo o cara? É impossível não gostar dum camarada com um senso de humor tão ferino. Suas charges captam o que tem de melhor e pior no mundo dos esportes, seu traço é sempre preciso, limpo e funcional. Não há piada gratuita. E isso também pode ser observado em suas charges políticas (sobretudo nelas).
E por que eu o odeio? Essa é fácil. Eu sou corintiano… Dá uma olhada na charge aí embaixo – extraída do próprio blog do Gustavo – e você vai entender melhor:
No caminho de volta pra casa, a condução consegue ser ainda pior. Então às vezes eu espero um pouco até o metrô esvaziar. E nessas eu sempre aproveito para visitar os amigos. E por amigos quero dizer bancas de jornais, gibiterias, livrarias e sebos.
E lá estava eu na HQMix, olhando as novidades, quando cruzo com Có!, gibi do Gustavo, lançado de forma independente em julho de 2009.
Não precisei mais do que uma única folheada para comprá-lo.
E por um motivo muito simples: a exemplo das charges que faz, Gustavo produziu um gibi memorável.
Quarenta páginas, trinta e duas delas de história, p&b, brochura, boa impressão e preço acessível. Um gibi igualzinho a muitos outros, se não fossem as 32 páginas de história. E elas fazem toda a diferença.
Imagine-se naquela modesta casinha lá do seu rancho em Bauru, interior de São Paulo, curtindo um sabadão a noite na frente da TV, se divertindo adoidado com o Pacífico – imortal criação de Ronald Golias – quando toda a sua programação é destroçada por algo além de sua compreensão. No caso um Alien no seu chiqueiro.
Não é figura de linguagem, a personagem principal da história se depara com um Alien junto a seus porcos. O que acontecerá depois disso só lendo o gibi. Qualquer outra palavra estragará todas as surpresas. Só posso dizer que envolvem o modesto rancheiro, seus porcos e galinhas – muitas galinhas.
Existe até uma inusitada (e divertida) participação da Morte – sim, aquela da foice – numa caracterização pra lá de criativa – algo entre os palhaços dos circos de começo do século 20 e o humor macabro do melhor estilo Tim Burton.
Destaque para a estrutura narrativa de Có!: nenhum diálogo, nenhuma onomatopéia, um único balão de fala em todos os seus mais de 100 quadros e um ritmo cinematográfico. E nisso a história se aproxima muito do mestre Laerte e seus Palhaços Mudos.
É uma daquelas histórias em que os olhos passeiam facilmente pelos quadros, absorvem as imagens e anseiam pela sequência seguinte. É uma história ligeira, não porque seja rasa mas sim pelo seu ritmo absolutamente perfeito.
E ainda assim Gustavo imprimiu um carinho especial a cada um dos detalhes: o emaranhado de fios atrás da TV, o copinho de pinga, a flâmula do time do coração (na história, o Noroeste – time do autor), o boné virado do Golias, o pincel de barbear logo abaixo do talco no armarinho do banheiro, o saleiro cisne e seu indefectível chapéuzinho e mais um monte de pequenas coisas que podem ser encontradas na minha, na sua casa.
Você pode até não perceber tais detalhes numa primeira leitura, mas eles estão lá e também ficarão dentro da sua cabeça. E a cada releitura um deles se revelará, o que trará um novo sentido a piada. Um artifício genial.
A única notícia ruim. O Gual, veterano cartunista, um dos sócios da HQMix e também um dos melhores papos de São Paulo, confidenciou que aquele é o último lote de Có!, o que definitivamente é uma pena. Esse é um daqueles gibis que não se aparece todo dia, merecia uma nova edição.
Da Praça da República (a mais próxima da HQMix) a Itaquera (fim da linha vermelha do metrô) são 15 estações e cerca de 45 minutos de empurra empurra e gente reclamando.
Ninguém entendeu porque eu era o único que parecia estar me divertindo naquela noite.
Belo texto,Lilo. Em breve, O Gustavo Duarte terá novidades. Acompanhe no blog - www.gustavoduarte.com.br e no twitter @_gustavoduarte
ResponderExcluirObrigado pelo elogio Josi. E você tem toda razão, o blog do Gustavo é parada obrigatória. Já estou na espera de sua segunda HQ.
ResponderExcluirUm grande abraço.