quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Calafrio: cachimbo, vela preta e a ressureição de um mito

CAPA_Calafrio_53Tem alguns sonhos que nos atormentam enquanto dormimos, que são recorrentes.
Já teve um daqueles pesadelos em que você corre, corre, mas nunca chega a lugar algum? Nunca somos rápidos o suficiente nesse mundo estranho em que habita nosso subconsciente.
Ou cães e lobos nos perseguindo.
Ou ainda o medo da inevitável morte representado em nossos piores pesadelos.
Mas tem também sonhos que nos perseguem durante a vida. Ou, como diriam nesse mundo doido dos negócios e dos livros de auto ajuda, objetivos.
Todo mundo tem, não olhe para o outro lado pensando que não é com você também.
É o sonho da casa própria, de um emprego estável, de sucesso e mulheres deslumbrantes, de príncipes encantados montados em suas ferraris. Ter um filho, fazer uma faculdade, conhecer o “estrangeiro”, comprar um vestido, ressuscitar um gibi, trocar de carro, abrir um negócio próprio…
Peraí!
Ressuscitar um gibi???
Sim, por que não? Tem gente que tem o sonho de chupar neve em Bariloche, porque eu não poderia querer ressuscitar um gibi?
Logo após doar toda a minha coleção de gibis, ainda não conseguia me livrar do vício das bancas. Sempre passava por uma, via o que estava saindo mas não comprava nada. Naquela época achava que estava realmente curado.
Foi quando comecei a sentir falta de algo que atravessou toda a minha infância e adolescência. Curioso, perguntei ao jornaleiro e ele respondeu seco:
- Mais uma que parou de ser publicada.
Eu já não colecionava mais, havia decretado o fim “daquela coisa de criança” na minha vida mas ainda assim foi um choque. A Calafrio, um dos melhores gibis brasileiros de terror de todos os tempos, havia encerrado sua carreira.
Aracaju_Expo_Terror_CalafriObviamente que aquela minha suposta “cura” era uma farsa e foi apenas uma questão de tempo até que os gibis voltassem ao meu cotidiano. Uma das primeiras coisas que fiz ao voltar a ler gibis foi começar o árduo trabalho de garimpar em sebos e feiras livres os números antigos da excelente publicação de Rodolfo Zalla.
Para quem não sabe, com a falência da Editora Vecchi no início dos anos 80 e, consequentemente, o cancelamento das revistas Spektro, Pesadelo, Histórias do Além e Sobrenatural, as revistas Calafrio e Mestres do Terror, ambas da Editora D’Art e editadas pelo incansável Rodolfo Zalla, foram as únicas representantes nacionais nas prateleiras das bancas de jornal. Havia também a excelente Kripta, da Rio Gráfica Editora, mas essa só publicava material das norte americanas Eerie e Creppy, e não tinha boitatá, escravos mortos assombrando fazenda nem mula sem cabeça.
Foram nas páginas de Calafrio  que pudemos ver gênios como Rodolfo Zalla, Eugenio Colonesse, Júlio Shimamoto e Flavio Colin desfilarem seus traços, além de toda uma geração de novos talentos, que tinham ali uma rara oportunidade de iniciarem suas carreiras.
Aquela foi a última grande publicação regular de terror no Brasil. E depois dela somente trevas, mas não das que gostávamos.
Sempre tive o desejo de ressuscitar a Calafrio. Um desejo doido, é claro, já que não sou editor, mas ainda assim um sonho. Um gibi daquele não poderia ficar guardado apenas nas memórias e estantes de antigos fãs. Aquela publicação representou toda uma era e foi o último grande reduto dos desenhistas e roteiristas que ajudaram a construir a indústria de quadrinhos que hoje parece finalmente se solidificar.
Mas o jornalista Wagner Augusto, do Clube dos Quadrinhos, graças aos deuses que protegem os quadrinhos nacionais, parece nunca ter abandonado a mesma ideia. Em parceria com o próprio Zalla, acabou de lançar uma nova edição de Calafrio.
Seguindo a numeração original, o exemplar 53 da coleção volta após quase duas décadas. Um lançamento que deve, antes de tudo, ser comemorado com cachimbo e vela preta.
Com um novo tratamento gráfico e visual, além de um formato ligeiramente maior, esta nova Calafrio promete ter vindo para ficar. Para alegria dos antigos fãs, eu incluído.
Mas os desafios não serão poucos. O público de hoje é bem diferente daquele de 30 anos atrás. E esse será o grande obstáculo à continuidade da publicação.
Uma geração altamente tecnológica, acostumada a uma leitura ligeira, que posta notícias através do celular, no momento em que ocorrem, e que tem como principal referência de quadrinhos nacionais apenas os profissionais que trabalham para as grandes editoras norte americanas.
Nomes como Colin, Lyrio Aragão ou Rubens Cordeiro pouco ou nada dizem a essa geração.
Um erro imperdoável próprio da juventude, que pouco se interessa pelo passado, mas que a nova Calafrio tem a rara oportunidade de corrigir.
Se esta 2ª fase der continuidade à linha editorial que a tornou célebre, a indústria de quadrinhos nacional terá uma publicação que o gênero terror (um dos mais populares de nossa história) há muito não via.
Um gibi com histórias clássicas mas também com material inédito.
Mas principalmente, um gibi com material e temas brasileiros. Algo que, sem dúvida, o mercado atual precisa mais do que nunca, sob pena de perder a mais bela de suas características, a multipluralidade.
E enquanto mostra sua cara às novas gerações, a Calafrio poderá contar com o apoio e carinho daqueles que nunca duvidaram que um dia ela voltaria a nos assombrar.
Não pude realizar o sonho de ressuscitá-la. Mas tive o enorme prazer de vê-la de volta ao mercado.
Como disse, algo que deve ser comemorado com cachimbo e vela preta.
Calafrio01
Em tempo: ontem esqueci de agradecer publicamente ao encantador Rodolfo Zalla. No dia do lançamento, após autografar a edição 53, esse gênio dos quadrinhos honrou-me com mais um autógrafo, dessa vez na nº 01 original. Algo que guardarei para a vida inteira.

4 comentários:

  1. Lillo;

    Mais uma pra lista de compras graças a suas resenhas. Parabéns e FELIZ ANIVERSÁRIO!!!

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  2. Como sempre, excelente!!

    Tenho em casa alguns exemplares da Calafrio... e se bem me lembro foi a primeira HQ de horror que li e gostei bastante...

    Tomara que a volta seja duradoura...

    Ótimo texto irmãozinho... e felicidades nesse aniversário e sempre!!

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  3. Caramba, pra ressuscitar um quadrinho BRASILEIRO vcs tem que ter culhões de adamantium!

    Parabéns!

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  4. Como eu já te disse em outras vezes, sou daquela geração que cresceu tendo arrepios nas noites de sexta feira 13, lendo minha calafrio todos o meses e tendo hoje minha coleção completa guardada a sete chaves. Imagine você a alegria que eu tive ao saber que a minha Calafrio, aquela que povou os meus sonhos mais profundos está de volta. Eu já encomendei a minha e torço para que agora ela dure muito mais do que 11 anos. Abraços amigo.

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