Tem cada coisa que acontece…
Véspera de feriado, dinheiro curto e muito trabalho pela frente.
E a besta faz o quê? Vai pra HQMix na quarta a noite…
Não tem jeito, nunca saio de lá com as mãos vazias. É simplesmente impossível. Bate papo com a Dani (esposa do Gual), dou uma fuçada numa estante, na outra, e o pensamento fixo em não gastar (muito).
Daí tropeço num canto obscuro daquele estranho universo que é a HQMix. Odeio quando tropeço em qualquer canto obscuro de qualquer lugar mágico, geralmente saio ferido (no bolso, é claro).
E dou de cara com Sambre – Olhos de Sangue , de Yslaire e Balac, numa bonita edição portuguesa da Witloof a um preço inacreditável (e continuará assim, inacreditável mas sem nenhuma cifra, já que minha esposa lê todas as minhas postagens e eu ainda tenho um pouco de juizo nessa brilhante careca).
Comprei achando que era uma história de vampiro.
Tinha toda a pinta: título bacana, ambientação no século XIX, clima sombrio, uma mina com os olhos vermelhos…
O fato é que não conhecia a história, nunca sequer havia ouvido falar. Mais do que ignorância, confesso ser um pecado.
Sambre é sombria mas nada poderia ser mais afastado do gênero horror do que essa excepcional história. Na verdade, Olhos de Sangue é uma história sobre uma família, sua queda, seus amores e seus inimigos.
A trama começa em 1848, com a morte do patriarca da família – Hugo Sambre. Consumido pela loucura, dedicou seus últimos anos em escrever um livro chamado “A Guerra dos Olhos”, nunca terminado. Lá, dizia o velho, estranhos seres de olhos vermelhos eram os maiores inimigos da humanidade e somente a força conjunta dos homens de olhos verdes, azuis e castanhos seria capaz de destruir a ameaça. E ia ainda mais longe: um dos “olhos vermelhos” seria responsável pela derrocada da família Sambre, numa sutil metáfora à situação conturbada na França daqueles anos.
Obviamente, ninguém acredita em tamanha sandice. A não ser sua filha.
É no funeral de Hugo que a trama principia. Um filho rebelde, uma filha crente na verdade de seu pai e uma viúva sem recato.
É lá, entre a amargura da jovem Sarah e a indiferença da víúva, que o revoltado Bernard conhece Julie, uma bela e jovem camponesa de olhos vermelhos…
A partir daí temos uma sucessão de encontros e desencontros contados com uma beleza gráfica e uma destreza narrativa invejáveis. Um jogo de sedução, amor, loucura e ódio que culminará numa esperada – mas não menos surpreendente – tragédia.
Essa primeira história é de 1986 e teve mais quatro capítulos, além de alguns prequels (quando acharemos um termo adequado em português para isso?). Inexplicavelmente a série nunca foi publicada em terras brasileiras, as únicas edições que encontrei em minhas pesquisas são portuguesas e ainda assim esgotadas. O que é sem dúvida um pecado muito maior do que aquele cometido pela minha ignorância.
Na internet pode-se encontrar bastante material sobre a série, embora nem todas as matérias sejam elogiosas, sobretudo no que diz respeito ao 5º e último capítulo e ao estranho fato de Yslaire já ter redesenhado (?!) sua obra em pelo menos duas oportunidades. Mas todos dão como certo que esse é um dos maiores clássicos dos quadrinhos contemporâneos – o que deve ser realmente verdade, se tomarmos como parâmetros a verdadeira legião de fãs que a série possui e as dezenas de prêmios que coleciona.
O que posso dizer é que Olhos de Sangue é uma das histórias mais bem contadas em que botei os olhos.
Ainda assim não acredito que nossos editores um dia publicarão esse material.
Como disse, odeio quando tropeço em qualquer canto obscuro de qualquer lugar mágico, geralmente saio ferido. Só que dessa vez não foi no bolso mas sim na certeza que dificilmente poderei concluir a leitura de uma série tão instigante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário