- Ele falou que você vai fazer o quê ?
Minha esposa estava incrédula do outro lado da linha. Acendi outro cigarro, na guimba do anterior.
Sim, poucos minutos antes Wellington Srbek, editor da Nemo, havia me convidado a fazer um álbum de quadrinhos.
Não disse do que se tratava, falou apenas quem seria meu parceiro na empreitada, o talentosíssimo Wanderson de Souza.
Eu sinceramente não lembro o que respondi na hora. Quem me socorreu foi o amigo Daniel Esteves, depois de ler a primeira parte dessa crônica:
- Eu percebi, rarara : "e…e…eu? Escrever um roteiro? Mas não sou roteirista!"
- Eu falei isso???
- Algo assim… não lembro das palavras exatas, mas voce deixou claro que nunca tinha escrito quadrinhos, ao que o Srbek combateu falando sobre suas matérias e tal, que tinham narrativas nelas... que você se sairia bem, que voce faz teatro, etc, etc, etc.
E deve ter sido assim mesmo. O fato é que ali estava eu, em frente a HQMix, acendendo meu terceiro cigarro e ainda sem entender o que estava acontecendo.
Ou o Wellington havia enlouquecido ou sabia mais do que eu. Dez meses depois fica claro que naquele momento Wellington estava bastante lúcido. Mas eu já chego lá.
Terminada a reunião, fomos eu, o Wellington, o Will e o Daniel comermos algo na Paulista. O que vou dizer aqui pode ocasionar uma quebra justificada de contrato, mas desconfio que o mineiro estava se deliciando com aquela situação.
Contando por baixo, naquela mesa tinha uns dez prêmios HQMix e mais uma porrada de Ângelo Agostini.
O que eu tava fazendo ali? Do que aqueles caras estavam falando? Como assim eu ia fazer um gibi? Por quê exatamente eu fui pedir um x-bacon? Aquilo tudo tava me dando uma azia infernal…
Eu tinha que saber o que estava acontecendo. Tenho uma necessidade mórbida de racionalizar tudo, deve ser efeito colateral pelos excessos da juventude. Então, na primeira oportunidade que tive a sós com o Wellington (acho que estávamos na FNAC) perguntei sem rodeios:
- Você tem certeza do que cê tá fazendo?
Ele tinha certeza. Aquilo era sério.
Não sejamos hipócritas. Uma chance assim não bate à sua porta todo dia.
Nunca tinha feito um roteiro e era um completo desconhecido no meio. A meu favor apenas um blog de resenhas em forma de crônicas.
A realidade me atingiu como um raio horas depois, voltando de carona com o Daniel, debaixo de um dilúvio bíblico, que transformou um percurso de 25 minutos numa viagem de mais de uma hora.
Tenho que confessar que foi divertido. Desviamos de uma Radial Leste (a principal via de acesso para a Zona Leste de São Paulo) totalmente alagada apenas para cairmos numa viela da Móoca que mais parecia um rio.
- Será que dá?
Eu pensei comigo: “Esse maluco não vai enfiar esse Renalt Clio nessa lagoa… ele não vai fazer isso”.
Bem se via que eu ainda não o conhecia…
- Mano! Que cê tá fazendo?
Bem, ele estava atravessando um rio. E eu pensando: “Vou morrer afogado antes de conseguir fazer esse gibi…”
Enquanto eu me recuperava do susto, o Daniel – como se atravessar o Rio Amazonas num carro anfíbio fosse a coisa mais normal do mundo – comentou com a maior naturalidade:
- Putz! Você vai fazer um álbum! Como foi isso?
Aquilo me pegou de surpresa. O Daniel é um dos caras mais talentosos da atualidade, seus quadrinhos são uma coisa rara e tem o mesmo delicioso sabor de um bate papo num boteco. O cara está há anos batalhando e dando a cara a tapa. O Will também. E eu era apenas um cara que escrevia num blog e tinha nome de chupeta.
Aquela pergunta merecia uma resposta sincera. Não seria educado responder de outra forma ou simplesmente fugir do assunto.
- Não sei meu velho. O cara gosta da forma como eu escrevo no blog e acha que eu posso fazer um gibi.
Mas não era apenas isso.
A resposta às minhas perguntas chegaram um mês depois, num longo e-mail explicando os pormenores do projeto, prazos, valores e coisas do tipo. Já perto do final, algo que me deixaria de cabelo em pé nos 60 dias seguintes:
“Os álbuns que gostaríamos de encomendar a você são adaptações de obras de William Shakespeare, voltadas ao público de 11 a 15 anos, sendo: ROMEU & JULIETA por Marcela e Roberta e SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO por Lillo e Wanderson.”
Eu sou ator.
Tenho 20 anos de teatro.
Dez deles num dos mais fascinantes e longevos grupos do mundo.
Caras, aquilo era praticamente como oferecer heroína pra um viciado…
(termina no domingo)
Já comentei e ratifico o pedido: vou querer uma edição de Sonho com dedicatória para o meu grupo que estuda as traduções intersemióticas de Shakespeare.
ResponderExcluirCara, tem umas fotos de um gnomo no meio da postagem! Ele também está no álbum, junto com Oberon, Titânia e Puck?
ResponderExcluirSerá um prazer Dadal!
ResponderExcluirWellington, tendo em vista que o desenhista é sócio dele, é muito provavel que ele tenha servido de modelo ao Puck!
ResponderExcluirTá mais pra ajudante do Papai Noel reggae nessa foto!
ResponderExcluirEsse é meu garoto... o padrinho aqui, é só orgulho! Parabéns!
ResponderExcluir"como eu acabei virando um roteirista" Roteiro pronto prum gibi!
ResponderExcluirCadê a parte III ??? Estou curioso !
ResponderExcluirLeo, desculpa.
ResponderExcluirNão consegui finalizar o texto hoje (desculpa, desculpa e desculpa - a todos) e só vou poder postar na terça.