segunda-feira, 14 de junho de 2010

Xampu: sexo, rock e o canto da boca sempre queimado


Acabei decomprar Xampu.
Não, eu nãosou tão vaidoso assim a ponto de postar a minha marca preferida, tampouco estoutentando enganar a genética e o tempo com algum miraculoso produto que garantaque a queda possa ser evitada.
Minhaslongas madeixas douradas ficaram em algum ponto entre as décadas de 80 e 90.
E éexatamente sobre isso que gostaria de falar.
 
Xampu: lovely losers é o novo álbum de Roger Cruz. Eálbum é a palavra exata. O li como se ouvisse um long-play.
 
Nuncaconheci a fundo o trabalho do Roger Cruz. Ele começou a fazer sucesso e adesenhar para a Marvel justamente na época em que eu havia decretado a mortedos quadrinhos em minha vida, lá pelo final dos 80 e começo dos 90. Sabia queera um bom desenhista e começava a ganhar projeção no mercado norte americano.Vez ou outra lia alguns trabalhos seus, folheava algumas histórias, mas nuncasegui a sua carreira. Estava em outra.
 
Para falara verdade, estava em outras e geralmente chapado.
 
Terminei adécada de 80 cheio de dúvidas e iniciei os anos 90 com algumas certezas. E com aquela autoconfiança própria dos 19 anos, comecei minha empreitada.
Saía as quintasà noite e só terminava a jornada aos domingos, depois das dez (da noite,claro).
 
Sempreestava acompanhado de um bando de loucos cabeludos, com camisas estranhas,cheias de caveiras e menções a cultos satânicos, com tatuagens não menosesquisitas.
Qualquer umpodia nos achar se soubesse onde procurar: Fofinho, Ledslay, Churrasbom,Kasebre (primeiro na Vila Nhocuné, depois na Avenida Líder) e, claro, no lendário Bar do Aranha, na Vila Formosa.
 
Vivíamosbêbados e com os cantos da boca queimados.
 
Não havialimites.
 
Mas comotudo na vida, numa hora os limites chegaram. Pelo menos para mim.
Cansei dever amigos pularem da maconha para coca, depois para o crack e, a partir daí,para o abismo. Vi amigos com as mãos tremendo às 09 horas da manhã, mãos que sóse acalmavam depois de uma primeira dose. Éramos ainda crianças e muitos de nósforam tirados à força daquela viagem do Led Zeppelin pela falta de prudência euma gravidez não planejada, ou, em alguns casos, pela doença errada na idadeerrada.
 
Aos queficaram na viagem e sobreviveram, eu hoje talvez pareça um alienígena:bancário, sóbrio, dormindo cedo e – para o horror supremo de muitos –apaixonado pela minha esposa.
 
Mas paramim a viagem valeu. Foram nas farras ao lado daquela turma que aprendi que a vidaé algo único. Foi chapado que aprendi a falar de forma sincera e a me divertircom o sexo. Foi bêbado que conheci a mulher da minha vida e com quemcompartilho meus sonhos e decepções até hoje, uma década e meia depois.
Se é certoque meu fígado ainda hoje cobra algumas daquelas farras, minha consciência, aocontrário, não cobra nenhuma.
 
Xampu conta as aventuras e desventuras de uma turmanão muito diferente da minha, naqueles estranhos anos, com caras muito parecidos com meus amigos,freqüentando os mesmos lugares que eu ia, fazendo barbaridades próprias de umamolecada cuja maior preocupação era quem teria grana para comprar mais vinho,quem trouxe um ou com quem a noite terminaria.
 
Aambientação, no personalíssimo traço de Roger Cruz, é perfeita. Tanto no apartamento onde tudo rolava, quanto nos bares ou naperiferia. É impossível não ouvir a trilha sonora enquanto se lê o álbum.
Cruz não seesquece de nenhum detalhe: dos pôsteres nas paredes até a tipografia dostítulos das histórias, passando pelo vocabulário, capas de discos, roupas e até aquelesautomóveis quadradões que achávamos o máximo.
 
Li o álbumno metrô, a caminho da periferia onde moro. Nada mais oportuno.
 
Terminei deler com um nó na garganta. Com uma saudade danada do tempo em que ouvia um bome velho vinil do Black Sabbath, deitado no chão do quarto de um maluco, bebendocerveja e olhando para o vão da camisa daquela menina.
 
RogerCruz fez um belíssimo gibi, para aqueles que estavam ou não naquela viagem.

6 comentários:

  1. Lillo?!

    Texto muito bom! Parabéns!

    Hugo Ashitani

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  2. Longa história essa do Lillo...
    Grande Hugo! Apareça por aqui de vez em quando.
    Abraços!

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  3. Gostei bastante, meu amigo.
    Não sou o "mestre" como disse, mais vim aqui e li com prazer.

    Xampu apresenta justamente essa viagem que você descreveu... em detalhes que podem ser ainda mais ricos com a sua história particular.

    Xampu agrada não só quem viveu algo parecido, mais ajuda até a sonhar, quem não viveu...

    É uma boa história, com Roger Cruz trazendo o melhor do seu traço, sem as imposições do mercado estadunidense...

    Grande abraço e parabéns pela ótima matéria.

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  4. Obrigado pelos elogios Lucas.
    E realmente, é um dos melhores gibis que já li. Claro que tem todo um lance pessoal que vivi na cena paulistana naqueles anos. Mas é exatamente o que você disse, é uma história para quem viveu e para quem não viveu. E como é bom ver nossos artistas escrevendo nossas histórias. Isso não tem preço.
    Grande abraço.

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  5. É estranho... Não estive no circuito underground cfe descrevestes... Não desta forma. Eu era o careta que ficava espreitando da porta do "bar do meio", me chapando de vinho tinto...

    ... Orbitava entre o punk e o metal, tinha amigos em todos os grupos, flertava com uma distância considerável, mas do modo como descrevestes, é como se eu tivesse feito tudo isso em sonho....

    Parabéns pela matéria, Lillo.

    Um fã "dos Pampas".

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  6. Obrigado pelos elogios Marcio.

    Tentei falar do que foram aqueles anos. Teve uma época em que eu também ficava meio que a espreitava e transitava em diversas tribos. Mas daí eu tive que servir ao exército e o que já tava transbordando entornou de vez...

    E Xampú descreve isso muito bem. Assim que tiver oportunidade dê uma olhada. Ficou realmente um álbum muito bacana.

    Aquele abraço.

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