sábado, 5 de junho de 2010

A Noite dos Palhaços Mudos

Por conta de um curso de roteiro no SENAC, reliuma penca de gibis da minha coleção.
Numa das tarefas, tínhamos que analisar duashistórias de roteiristas com estilos totalmente diferentes, mas dentro de ummesmo gênero. Fiz um catado e comecei a triagem das mais interessantes paraaquela tarefa. Uma coisa eu sabia: uma delas tinha que ser Asterix (sou viciadonos gauleses). Mas e a outra?

Foi então que eu cruzei com o álbum “Piratas doTietê e Outras Barbaridades” (Editora Ensaio – 1994). Achei que o Laertedaquela fase daria um ótimo comparativo com o estilo refinado de Goscinny em“Asterix e o Escudo Arverno”.

Só não imaginava o prazer que teria ao reler a “ANoite dos Palhaços Mudos”. A história original saiu na Revista Circo (nº 04 - 1987)e, ao contrário dos irredutíveis gauleses, suas personagens não eram – à épocade sua publicação – conhecidos do público.
 Eu já conhecia a história antes do álbum, li nooriginal – tinha 15 anos e aquela turma de cartunistas eram os meus heróis.
Para quem não conhece, o enredo é simples: doispalhaços vão resgatar um terceiro em pleno covil de seus inimigos – um gruporeacionário bastante parecido com a TFP – Sociedade Brasileira de Defesa daTradição, Família e Propriedade.
Entretanto, é exatamente na aparente simplicidadenarrativa que reside o grande trunfo da história.

A primeira parte da história se reserva aapresentação das personagens. O autor nos apresenta dois dos palhaços mudos semse utilizar de um único diálogo. As situações são todas aquelas que gravitam aimaginação popular quando o assunto são palhaços. E por ser uma história emquadrinhos, são ainda mais exageradas, lembrando por vezes, os bons desenhosanimados de Tom e Jerry e do Picapau.
A mistura – aliada ao requinte gráfico de Laerte –resulta em páginas brilhantes.
Para reforçar o mutismo das personagensprincipais, Laerte faz uma economia total de onomatopéias, independente dabarbaridade mostrada na cena. Vemos estrelas rodando a cabeça dos palhaços,linhas de movimento, luzes e fumaça, mas som mesmo, só quando os palhaços jáestão no covil dos vilões.
Sua história é silenciosa, só o humor fala.

Já dentro do covil somos apresentados aosantagonistas da história – um grupo reacionário, que atribui aos palhaços mudosboa parte dos infortúnios da sociedade.
Laerte aproveita aí para colocar a vilania lado alado com um legítimo representante da manutenção de coisas até então existente– o ano era 1987, não nos esqueçamos, acabávamos de sair de um regimeditatorial, a censura não estava completamente abolida e a democracia ainda usavafraldas.
E em contraponto à mudez dos palhaços, os vilõesfalam.
E como falam. Laerte consegue aí um raro efeitonarrativo: o diálogo, a palavra em si, transforma-se no vilão.

É claro que nossos heróis conseguem resgatar seucompanheiro. Com direito a suspense e assassinato numa das melhores cenas dahistória. Os palhaços são mudos, mas a cena possui o diálogo clássico do humortambém clássico dos circos de bairro que víamos na década de 70.
O problema é que a simplicidade do enredo coloca ahistória num beco sem saída. Pelos rumos da narrativa – a apresentação daspersonagens, o resgate e a fuga – a história carecia de um final impactante,sob o risco de ficar com aquele gosto de “Ué! Acabou?”.
Sem a possibilidade de utilizar os diálogos com ospalhaços, Laerte opta por condensar toda a personalidade de nossos heróis nos03 últimos quadros. Um dos palhaços, já livre do perigo, volta ao portão docovil, aperta a campainha e sai correndo sob os gritos insanos dos vilões.

Uma história inesquecível, contada de uma formaabsolutamente genial.

3 comentários:

  1. Perfeita crônica. Detalhada. Muito objetiva. Agora, mãos a obra. Está na hora de achar esta história do Laerte em algum sebo...

    Deu vontade de ler.

    Ótimo blog. Parabéns. Continue. Está na minha lista diária.

    Um abraço.

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  2. Valeu Marcio. A intenção é continuar, pelo menos uma matéria ou crônica por semana. Do Rio Grande só conheço Porto Alegre, pois participei 03 vezes do PoA em Cena, e eu acho o acervo dos sebos de lá fantástico. Todas vezes que fui voltei com a mala cheia de gibis. Boa sorte na sua caça.

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  3. Tens idéia de quem é o Marcio, acima?
    Teu Blog está indo longe.
    Mas é porque está bom demais...
    Abraçao, Mano ZL.
    Nos vemos por aí, em uma final de CB ou LA.

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